quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:

Considerando; a Educação Física atuante nos aspectos sociais, culturais, físicos e psicológicos; a desumanização imposta pela sociedade de consumo a que somos submetidos; a carência de valores no desenvolvimento da personalidade dos jovens; ao aumento significativo do sedentarismo e consequentemente da diminuição da qualidade de vida de nossos jovens; ao aumento de atividades extra-escolares oferecidas aos alunos limitando seu tempo de estudos e, muitas vezes, exigindo que o aluno frequente a Escola em 2 turnos; a evolução do sistema educacional proposto pelo Ministério da Educação e Cultura para o próximo milênio. Faz-se necessária a adequação da Educação Física de nossa Escola.
O projeto que apresentamos preocupa-se com fatores como a despersonalização , (Juan Mosquera e Claus Stobäus - Psicologia do Desporto - 1984) cada vez mais as pessoas tendem a se parecer com os seus produtos, e logicamente se nós examinarmos de maneira fria uma pessoa, iremos ver que ela nada mais é que uma série de rótulos postos no mercado à venda pelo melhor preço.
A despersonalização é, entretanto, algo bem mais sério, consiste em se desprovir do núcleo central do ego. A pessoa despersonalizada, curiosamente, não tem domínio de sua unicidade, é um ser perdido no horizonte dos seres. Esta falta de perspectiva caracteriza a pessoa que não tem conhecimento das suas potencialidades, valores e expectativas. Despersonalizar-se é se afastar das características pessoais, é sempre um alienamento de si.
Curioso é que os seres humanos lutam pela personalização. Ser individual quer dizer ser um indivíduo no GRUPO, isto é, diferente dos outros. Ser pessoal é ser alguém que se reconhece como autêntico, partilhando do GRUPO. Há substancial diferença entre individualismo e personalismo. O individualismo, em última análise, é sempre egoísta, o personalismo é indicador de valores constitutivos pessoais, sem deixar de acreditar que os outros também são pessoas e, consequentemente, capazes de desenvolvimento.
É dramático observar a sociedade que nos rodeia e nos torna indivíduos, não propiciando alcançar nossa personalidade mais sadia, madura e realizada.
Os grandes psicólogos têm sido unânimes em fazer-nos notar que grande parte das doenças psicológicas emanam da carência das pessoas se auto-realizarem, logo se personalizarem. Nossa cultura pode nos propiciar e despojar desta personalização, isto é, alcançar e retirar a capacidade de nos vermos como pessoas em um universo. O afastamento da convivência das pessoas entre si é a principal causa da despersonalização, portanto é óbvio que a formação de turmas mistas para as aulas de Educação Física contribuirá com nossas crianças em sua futura auto-realização como indivíduos.
Theodore Lidz, em seu livro “A Pessoa”, descreve o “Desenvolvimento do Autoconceito”: A maneira pela qual os meninos obtêm um conceito claro do eu nos GRUPOS ou bandos da vizinhança é complicada e às vezes sutil. Eles aprendem a ver-se como os outros os vêem e muitas vezes de acordo com padrões algo inexoráveis. As crianças têm padrões rígidos do que é certo e errado, porque consideram os valores éticos como fixos ao invés de adequados às circunstâncias, e acreditam que os indivíduos devem ser julgados de acordo com padrões igualitários e punidos de uma maneira expiatória. Já os GRUPOS mistos têm padrões que fazem um bom membro e um bom companheiro. Eles se baseiam nas realizações e atitudes da criança e não se preocupam com razões que os eliminariam. As crianças estão interessadas em quão bom é um colega de folguedos ou companheiro, não com as razões por que ela é ou ele não é. O importante para o GRUPO é a lealdade, disposição em concordar e não insistir em agir à própria maneira; ser um bom “cara”na derrota; ser capaz de guardar um segredo; não ser um provocador briguento que judia dos outros menores ou mais fracos; não ser um mau perdedor que vai embora quando as decisões lhe são contrárias, ou um “bebê chorão”que corre em busca de auxílio dos pais quando é apoquentado ou batido; não ser um delator mesmo quando um amigo faz alguma coisa que julga errada. A honestidade é uma virtude, mas os padrões nem sempre coincidem com os dos adultos.
A capacidade esportiva pode ser um bem marcante tanto para meninos como para meninas na convivência em GRUPOS mistos, mas o melhor atleta não é necessariamente o líder. O líder precisa ser capaz de desistir de seus próprios interesses em benefício dos do GRUPO e ser justo ao fazer julgamentos a fim de preservar a harmonia intragrupal. A iniciativa, muitas vezes requerendo imaginação, atrai outras crianças, mas a jactância ao invés de ação e as invencionices em proveito próprio, em breve perdem amigos para uma criança. Confiabilidade e responsabilidade - dotes importantes na escola - também são valorizados pelo grupo, particularmente quando chega ao estágio de formar clubes e equipes mais permanentes. Não apenas essas avaliações dos amigos do GRUPO podem ser de maior importância para a criança do que as dos mestres, como aqueles podem ser mais perceptivos do que estes de valores que no final é que contam.
Segundo João Batista Freire em seu livro “Educação de Corpo Inteiro” a separação de meninos e meninas nas aulas de Educação Física ( desde a 1ª série do 1º grau), não tem fundamentos profundos pois dentro da sala de aula, qualquer que seja a disciplina, os alunos assistirão aulas juntos. Mentes não precisam ser separadas , corpos sim? Mas que corpo é este que vive separado da mente, que não pode ter contato com outro de outro sexo?
Que motivo tão importante haverá para separar meninos de meninas nas aulas de Educação Física?
Existem, de sobra, os argumentos de sempre, corriqueiros, superficiais: “Menino é mais forte que menina”; “As meninas correm muito menos”; “meninas não sabem jogar bola”; “Os meninos são mais espertos”, e assim por diante. São argumentos mais ou menos fáceis de desmanchar: só se justificariam caso o objetivo exclusivo da Educação Física nas escolas fosse o rendimento físico; pelo menos explicitamente, nenhum professor declara mais isso em seus objetivos.
Outro argumento usado, menos superficial, é o que diz que, por questões culturais, as crianças chegam a escola já separadas por sexo. Em casa, nas ruas, menino não brinca com menina. As lojas vendem brinquedos diferentes para cada sexo. Na sala de aula, na verdade, as crianças não estariam juntas - e de fato não estão - mas na aula de Educação Física não haveria como mantê-las separadas, pelas próprias características das atividades, a menos que as aulas para cada sexo sejam feitas em locais diferentes. Uma parte do problema estaria na recusa de fazerem atividades juntos, principalmente por parte dos meninos.
Contra este argumento, levanto o seguinte: por mais que se compreenda a questão cultural envolvida aí, manter a separação não estaria reforçando um preconceito? Ou melhor, não consistiria numa Educação Física para a discriminação? A Educação Física existe para conformar as pessoas à sociedade, inclusive aos seus vícios, ou para dar a elas condições de participar das transformações necessárias?.
Defender a idéia de que meninos e meninas devem ter as aulas de Educação Física juntos não quer dizer que não reconheçamos as diferenças entre um e outro sexo. Claro que elas existem, especialmente biológicas. Porém essas como outras que possam existir, como as psicológicas, não são impeditivas de uma Educação Física sem discriminações.
São muitas as experiências bem-sucedidas realizadas na prática escolar por companheiros nossos em que alunos de ambos os sexos fazem aulas juntos. Aulas bem preparadas, que não enfoquem unicamente o rendimento físico, que sejam divertidas, conseqüentes, motivadoras e que desenvolvam aspectos psicomotores fundamentais, pouco a pouco tendem a superar a idéia de separação que as crianças muitas vezes já trazem de fora da escola.
Mais um argumento, mais ou menos encoberto, refere-se a questão sexual.
Aparentemente existe uma contradição na atitude da escola em relação e esse problema. A sexualidade da criança, desde o nascimento - oral, anal e fálica -, conforme as fases apresentadas pela teoria psicanalítica, se manifesta claramente durante a primeira infância. Como nos ensina Anna Freud, tudo indica que o ser humano seguirá no ritmo dos outros animais o desenvolvimento sexual, sem interrupções, até a maturidade. Mas o homem não é assim: mais ou menos ao final da primeira infância, perde o interesse pelas satisfações pulsionais. Não se percebe nenhuma manifestação aparente de sexualidade, porém, de acordo com Anna Freud, “(...) as moções pulsionais que haviam levado a criança a toda a espécie de ações de satisfação, não pereceram, apenas se apresentam menos perceptíveis do exterior, estão latentes, dormem dentro da criança, para apenas voltarem a acordar, com energia reforçada, passados alguns anos”.
Tudo leva a crer que na escola primária, na segunda infância, não haveria por que, do ponto de vista da sexualidade, preocupar-se com atividades conjuntas de meninos e meninas, mesmo naquelas de maior envolvimento corporal. Afinal estão no período de latência, não havendo uma sexualidade manifesta.
Em parte explicando a preocupação da escola com a sexualidade, Jurandir Freire, por exemplo, demonstra a disciplina dos corpos, no século XIX, de acordo com uma regra fundamental: A separação por idade e sexo. Se juntarmos a isso as descrições de Anna Freud sobre o período de latência, podemos ter uma ponta de explicação sobre a separação de meninos e meninas nas aulas de Educação Física desde o 1º grau. Não nos esqueçamos que a sexualidade latente despertará em toda a sua força com o surgimento da puberdade. E sua manifestação se distinguirá pelo interesse na pessoa do outro sexo (sexualidade genital).
Quaisquer que sejam os argumentos em favor da separação por sexo na escola, eles nunca serão mais fortes que a invocação do prejuízo que já tem acarretado em nossa sociedade essa divisão hierárquica de papéis.
Devemos refletir na evolução do papel da mulher na nossa sociedade, onde ela busca direitos iguais de oportunidades para competir no mercado de trabalho e na vida cotidiana.
Para finalizar, acreditamos que não será fácil mudarmos as regras e tabus impostos de forma rude em nossa sociedade, mas temos certeza que, com muita capacidade, calma, otimismo e perseverança, obteremos êxito em nossa jornada e encerro lembrando um pensamento para refletirmos:
“Quando renunciamos aos nossos sonhos e encontramos a paz, temos um pequeno período de tranqüilidade. Mas os sonhos mortos começam a apodrecer dentro de nós e a infestar todo o ambiente em que vivemos. O que queríamos evitar no combate - a decepção e a derrota - passa a ser o único legado de nossa covardia.”
Paulo Coelho.

Bibliografia:
A pessoa – Theodore Lidz
Psicologia do Desporto – Juan Mosquera e Claus Stöbaus
Educação de Corpo Inteiro - João Batista Freire
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Educação Física – MEC/SEF 1997.
Frases – Paulo Coelho.

Um comentário:

Jorge Maia disse...

Amigão, li teu artigo e lembrei-me de nosso pós, eu também tem como referencial o nosso mestre Juan Mosqueira, e já li umas 3 vezes o seu livro Psicologia do Desporto. Ficou ótimo teu artigo e com a sua devida licença vou usá-lo em minha aulas com meus alunos do ensino fundamental. Fiquei muito feliz de ver um colega e amigo comsua produção intelectual na internet. Parabéns.
Prof. Jorge Maia